Terapia assistida por psicadélicos

O que é?

Como funciona?

Como é a experiência psicadélica?

A quem é dirigida?

Segurança clínica

O que é a terapia assistida por psicadélicos?

A terapia assistida por psicadélicos é uma terapia baseada na aprendizagem experiencial facilitada pela utilização cuidadosa de um composto que abre estados transformadores de consciência.

Permite mudar padrões psicológicos negativos e enraizados, no contexto de um curso breve de sessões de terapia organizadas em torno da experiência psicadélica.

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Terapia farmacológica e psicológica

Alia ação neurobiológica e intervenções psicológicas em simultâneo.
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Baseada na aprendizagem pela experiência

Abre experiências transformadoras que facilitam a flexibilidade e permitem aprender pela própria sabedoria interna.
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Curso breve de sessões de terapia

Organizada em torno das experiências transformadoras facilitadas pelo composto psicadélico.

O que a distingue entre as terapias farmacológicas?

O uso do fármaco é pontual e com início de ação rápido

Na maioria das terapias farmacológicas das doenças mentais, o paciente necessita de tomar medicação todos os dias e de forma prolongada, e o efeito tem um início tardio. Na terapia assistida por psicadélicos, o fármaco é geralmente tomado em uma ou poucas sessões de dosagem específicas e pode ter um início de ação rápido (horas a dias) e que pode prolongar-se a longo prazo.

 

O efeito subjetivo do fármaco é integrado na terapia

Tal como outras medicações, os compostos psicadélicos têm efeitos terapêuticos de longo prazo, mas também produzem experiências subjetivas imediatas e temporárias que podem ser profundamente significativas. Na terapia assistida por psicadélicos, as experiências subjetivas são alvo de intervenções terapêuticas específicas.

O que a distingue entre as terapias psicológicas?

Integra medicação na terapia e foca-se na aprendizagem experiencial

A terapia assistida por psicadélicos distingue-se por ser simultaneamente farmacológica e psicológica, pela utilização de estados de consciência transformadores, pelo foco na aprendizagem experiencial, e por ser uma terapia breve organizada em torno da experiência psicadélica.

 

Pode ser conjugada com outras formas de terapia

Partilha elementos comuns com outras terapias, tais como a relação terapêutica, a criação de objetivos e a promoção de esperança, e permite a integração de modelos psicoterapêuticos em sinergia com os efeitos do composto psicadélico utilizado. Por esse motivo, pode ser conjugada e potenciar outras formas de terapia de longo prazo.

O termo "psicadélico"

O termo resulta da conjunção do grego psychē (mente, alma) com dēloun (revelar, manifestar) para denotar algo que faz revelar a mente.
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Um tratamento inovador em saúde mental

A terapia assistida por psicadélicos conta com décadas de investigação clínica que têm demonstrado eficácia e segurança em problemas de saúde mental que frequentemente não respondem a outros tratamentos, tais como depressão ou perturbação de stress pós-traumático. É uma área florescente de investigação, aguardando novos ensaios clínicos para a sua aprovação formal pelas entidades reguladoras.

Permite mudar padrões psicológicos negativos e enraizados, no contexto de um curso breve de sessões e com efeitos potencialmente duradouros.

O único fármaco com propriedades psicadélicas atualmente licenciado em Portugal é a ketamina, através da prescrição médica off-label. Espera-se que futuramente venham a ser validados e aprovados para uso clínico a psilocibina e o MDMA.

Como funciona?

A terapia assistida por psicadélicos compreende várias componentes que funcionam em sinergia:

Componentes da terapia assistida por psicadélicos: estados de consciência transformadores, ação farmacológica, set e setting, integração e psicoterapia, comunidade.

Estados de consciência transformadores

A experiência psicadélica pode ser comparada a um sonho ou a uma viagem. Esta viagem oferece a oportunidade de aprender pela experiência e não apenas pela reflexão, e de aprender pela própria sabedoria interna.

Após o estado psicadélico, tipicamente segue-se um estado mais suave de mudança no humor e no sentido de si e do mundo, designado de afterglow. Com a integração, pretende-se que esta aprendizagem tenha efeitos positivos de longo prazo.

Ação farmacológica

Os compostos psicadélicos têm perfis farmacológicos específicos, mas podem entre si partilhar alguns mecanismos neurobiológicos comuns que facilitam a flexibilidade, a aprendizagem e a criação de novas ligações neuronais.

Redução da reatividade neuronal a estímulos emocionais negativos, que pode apaziguar a dor psíquica e permitir enfrentar o evitamento.

Aumento da complexidade das conexões neuronais, que pode facilitar a criatividade e a flexibilidade.

Disrupção de vias neuronais top-down que forçam expectativas sobre a nossa perceção da realidade, que pode permitir experienciar a realidade com menos expectativas patológicas.

Estimulação da neuroplasticidade e sinaptogénese, que podem potenciar e consolidar a aprendizagem.

Set e setting

Para que os estados de consciência sejam transformadores e terapêuticos é necessário construir relações de confiança com os terapeutas, um processo orientado de preparação, e proporcionar um ambiente seguro, acolhedor e com suportes sensoriais cuidadosamente selecionados.

A qualidade da experiência psicadélica depende da personalidade, atitudes internas, expectativas, intenções e estado de humor da pessoa (o seu mindset ou set), e também do ambiente físico, relacional e social onde se encontra nesse momento (o setting).

Entre os suportes sensoriais utilizados, encontramos música, vendas nos olhos para introspeção, toque terapêutico consentido, luz, imagens, leituras ou objetos significativos.

Integração e psicoterapia

A integração é o processo que permite transpor as experiências transformadoras em mudanças positivas, concretas e duradouras na vida da pessoa. Se a experiência psicadélica for comparada a uma semente que germina, a integração é o processo de regar e cuidar dessa planta.

A integração é primariamente centrada na experiência e na sabedoria inerente que a fez manifestar. Para dar sentido a essas experiências, utilizam-se modelos e intervenções psicoterapêuticos específicos. Estes permitem entender o que se aprendeu experiencialmente e consolidar essa aprendizagem.

Entre os modelos e intervenções psicoterapêuticos mais utilizados encontramos a terapia centrada na pessoa, a terapia de aceitação e compromisso, expressões criativas terapêuticas e terapias somáticas.

Comunidade

As relações interpessoais, com a família, amigos e comunidade em geral, são parte integrante de qualquer processo terapêutico. Em especial, os compostos psicadélicos atuam em sinergia com a conexão aos outros e à natureza, abrindo experiências promotoras de bem-estar e recuperação da saúde.

Ao longo da história, os compostos psicadélicos têm sido usados em grupo, e associados a experiências de empatia, conexão e união, promotoras de bem-estar. Também a conexão à natureza por si mesma pode promover o bem-estar e a experiência psicadélica pode potenciar essa conexão. Além de terapia individual, há formatos de terapia assistida por psicadélicos em grupo ou em contacto com a natureza.

Fases da terapia

Fases da terapia assistida por psicadélicos: avaliação, preparação, experiência, integração.

Avaliação
Avaliação médica e psiquiátrica ou psicológica para decidir se a terapia está indicada e excluir contraindicações.

Preparação
Fase inicial para conhecer a história do paciente, construir confiança, estabelecer expectativas e intenções para a terapia e promover atitudes que facilitam a experiência, tais como a curiosidade, a aceitação e a entrega.

Experiência
Sessão em que se utiliza um composto psicadélico para facilitar estados transformadores de consciência, num ambiente clinicamente seguro e na presença de um terapeuta.

Integração
Processo, facilitado por um terapeuta, de dar sentido e consolidar o que se aprendeu pela experiência, transpondo-a em mudanças positivas, concretas e duradouras.

Formatos de terapia

Terapia individual

O formato mais utilizado e investigado é o de terapia individual, em duas modalidades: imersiva e psicolítica.

Na terapia imersiva, o paciente está acompanhado dos terapeutas mas está imerso na sua experiência interna, facilitada pelo uso de vendas nos olhos e música.

Na terapia psicolítica, o paciente mantém-se em relação com os terapeutas num estado de consciência que dissolve resistências e facilita o contacto com conteúdos difíceis e com novos entendimentos sobre a própria vida.

Terapia em grupo e de casal

Estão a ser investigados modelos de terapia em grupo e terapia de casal, onde o composto psicadélico age em sinergia para potenciar a empatia, a conexão interpessoal, baixar defesas na comunicação e permitir uma partilha mais profunda de experiências.

Terapia em contacto com a natureza

Estão também a ser investigados modelos de terapia em contacto com a natureza, onde o composto psicadélico age em sinergia para potenciar sentimentos de interconexão, serenidade e deslumbramento, que são promotores de bem-estar e saúde mental.

Como é a experiência psicadélica?

A experiência psicadélica pode ser comparada a um sonho ou a uma viagem, uma experiência única para cada pessoa e para cada sessão.

Variedade de experiências psicadélicas: Experiências corporais, mentais e emocionais, relacionais, transpessoais, de ligação à natureza.

Diversidade de experiências

Podem viver-se muitos tipos de experiência numa sessão. Na esfera pessoal e interpessoal, podem viver-se experiências de vitalidade corporal, de abertura emocional e aceitação, lições de sabedoria, visões e memórias significantes, experiências de encontro e conexão aos outros, ou sentimentos de proteção e de união.

A esfera transpessoal diz respeito a experiências que transcendem os limites do sentido biográfico de si mesmo, podendo assumir um caráter mitológico, místico, deslumbrante ou difícil de colocar por palavras. Observar a vida num todo maior pode facilitar uma mudança profunda de perspetiva. Nesse todo maior, encontramos também a natureza e a nossa ligação a ela.

Uma viagem que ensina

É importante encarar a experiência com curiosidade, aceitação e confiança no processo. Com a devida preparação, o que aparece transforma-se no ensinamento certo para o momento, que brota da sabedoria interna.

Atravessar experiências desafiantes

Numa viagem psicadélica, atravessar uma experiência desafiante pode abrir novos caminhos em direção à cura. Com o suporte dos terapeutas, os compostos psicadélicos permitem enfrentar memórias, sentimentos ou experiências difíceis, superando o evitamento e o bloqueio ao encontro da aceitação e da libertação.

A psique de cada pessoa é infinitamente mais sábia do que os egos do paciente e do terapeuta.

- William A. Richards, PhD

Psicólogo do Departamento de Psiquiatria da
Johns Hopkins University School of Medicine

A quem é dirigida?

A terapia assistida por psicadélicos tem sido aplicada com sucesso em diversos problemas de saúde mental. Uma das vantagens comuns destas terapias tem sido a sua eficácia em condições clínicas refratárias a outros tratamentos.

Indicações terapêuticas

Para cada tipo de terapia estão listados os principais problemas de saúde mental para os quais existe evidência científica de eficácia, em adultos. A terapia assistida por psicadélicos aguarda aprovação formal pelas entidades reguladoras. A ketamina está licenciada para uso clínico, através da prescrição médica off-label, e pode ser aplicada no paradigma da terapia assistida por psicadélicos, ou seja, em combinação com suporte psicológico e/ou psicoterapia, acomodando os efeitos psicadélicos da ketamina.

Terapia assistida por ketamina

  • Depressão resistente
  • Depressão
  • Ansiedade generalizada
  • Fobia social
  • Perturbação de stress pós-traumático (PTSD)
  • Perturbação obsessivo-compulsiva
  • Perturbação por uso de álcool

Terapia assistida por psilocibina

  • Depressão resistente
  • Depressão
  • Ansiedade e depressão associadas a doença oncológica

Terapia assistida por MDMA

  • Perturbação de stress pós-traumático (PTSD)

Contraindicações

As contraindicações são condições clínicas (físicas ou psicológicas) que são contrárias à realização de um tratamento. A avaliação destas condições é um dos objetivos da consulta de avaliação pré-tratamento.

De uma forma geral, e na ausência de mais evidência científica, os compostos psicadélicos estão contraindicados em pessoas com sintomas de psicose ou em fase maníaca de perturbação bipolar.

Segurança clínica

A terapia assistida por psicadélicos é um tratamento seguro se for respeitada uma avaliação médica criteriosa, condições de monitorização adequadas, um setting cuidadoso e suporte psicológico durante e após a experiência.

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Ciência desfazendo mitos

A evidência acumulada de décadas de investigação clínica e populacional demonstra que genericamente os compostos psicadélicos estão entre os fármacos psicoativos mais seguros, tanto a nível físico como psicológico, se utilizados de forma controlada e em ambientes seguros. Durante muito tempo os compostos psicadélicos foram considerados substâncias perigosas, mas esta imagem não tem sustentação científica.
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Análises populacionais de centenas de milhares de pessoas demonstraram que o uso de psicadélicos clássicos (p.e. psilocibina, mescalina, LSD) não se associa a risco aumentado de doenças cardiovasculares ou doenças psiquiátricas.

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Segurança física e psicológica

No contexto terapêutico, os ensaios clínicos modernos com ketamina, psilocibina e MDMA têm demonstrado excelentes perfis de segurança física e psicológica, sem risco aparente de causar dependência da substância.

Segurança física

Não há evidência de reações físicas graves.

Em contexto clínico, os efeitos fisiológicos da ketamina, psilocibina e MDMA são benignos, transitórios e facilmente amenizados medicamente, se necessário. Cada composto tem um perfil farmacológico específico.

 

Não obstante, é necessária uma avaliação médica pré-tratamento e monitorização e controlo adequados a cada situação.

Há condições clínicas e interações medicamentosas que podem aumentar o risco de efeitos secundários ou contraindicar o tratamento, e que são avaliadas em consulta pré-tratamento. Podem estar indicados monitorização e controlo clínicos (p.e. pressão arterial, análises, medicações adjuvantes).

Segurança psicológica

Para garantir a segurança psicológica, é importante o suporte dos terapeutas e o processo de integração.

Os compostos psicadélicos modificam a consciência e este é o seu principal mecanismo terapêutico. Entre os efeitos psicológicos podemos encontrar o confronto com experiências desafiantes durante o estado psicadélico. Ultrapassar uma experiência desafiante pode ser profundamente terapêutico, mas ficar bloqueado nela, não.

 

Em terapia assistida por psicadélicos, todas as viagens têm um início, um meio e um fim.

Entre os receios associados aos psicadélicos está a persistência de alterações da percepção após o efeito agudo. No entanto, esta condição, rara, tem evidência de ocorrer apenas com a utilização errática e recreativa, sobretudo de LSD.

 

A evidência sustenta que os compostos psicadélicos não causam dependência quando usados em contexto clínico.

Alguns compostos psicadélicos podem ter potencial de abuso ou dependência quando usados recreativamente. Contudo, a evidência clínica recente tem mostrado que, quando usados em contexto clínico, não conferem risco aparente de causar dependência.